
Antes de tudo, acho importante explicar certinho pra não ter controvérsias sobre o que estamos chamando de agrofloresta aqui neste artigo:
Uma técnica milenar de ocupação e construção de assentamentos humanos sustentáveis. Evidentemente com diferentes características em cada bioma e cultura, mas que de modo geral, pode ser observada desde o surgimento da agricultura, no período neolítico, momento em que já eram realizados consórcios e em que havia uma convivência integrada e simbiótica com o ambiente, onde o cultivo e o ecossistema se sobrepunham em uma única forma. Esta predefinição é importante para enfatizar que além de um modo de produção alimentar, é um modo de viver, uma cultura particular que sobrevive desde tempos imemoriais e cada condição de adaptação gerou uma cultura diferente, tendo exposto isso, cabe dizer ainda que o ponto de vista que seguirá diz respeito estritamente a experiências no sudeste brasileiro, mais especificamente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Falar sobre uma agrofloresta é falar sobre o tempo, sobre o clima, sobre os astros, é se enxergar como uma pequena parte de algo bem pequeno e que sucessivamente, aos poucos se conecta com o todo e se torna universal, futuro ancestral, fruto e semente.
Uma SAF (sistema agroflorestal) não é uma floresta natural, sua altura, luminosidade, seu substrato, capacidade de absorção de água e fauna, são constante alvos de observação e de intervenção humana, que assim sucessivamente molda o seu microclima, interferindo diretamente na atmosfera e agregando sua energia criadora ao todo. Não é de se espantar a ligação espiritual que diferentes civilizações estabeleciam com a fertilidade do solo e até que outras, tenham colaborado determinantemente para o seu colapso justamente por não terem a preocupação, como o caso do povo Maia, que desmatam florestas inteiras e desertificação seu território até ser tarde demais: Suas preces não adiantaram, sem árvores, sem chuva.

Agora, a pergunta: Esse é um modelo de cultivo realmente viável?
Sim. Não quero dizer, economicamente, mas veja, muitos povos, dos mais antigos que temos notícia sobreviveram e sobrevivem assim, se isso não for sustentável, o que seria, que outro modelo de agricultura tem mais duração? Sem dúvida não o da Revolução Verde. Ah mas alguns podem argumentar: MAS COMO ALIMENTAR O MUNDO TODO… E o papel do Brasil no contexto geopolítico e comercial mundial? Certo, aí é outro papo, que realmente deve ser aprofundado, mas antes de entrar nessa questão, acho legal perceber o potencial de produção alimentar desse modelo.
Diferente da agricultura tida como convencional de produção em larga escala e de comodities para o mercado internacional, que regula o ecossistema administrando a sua morte e de seus interagentes, o modelo agroflorestal favorece a vida, promove-a, especialmente preservando espécies nativas, privilegiando a diversidade local e alimentos, que muitas vezes não tem potencial de produção em larga escala e isso altera todo o modelo de negócio que o sistema está habituado, dessa forma o fenômeno da globalização se inverte, nessa cultura é o micro ordenando o macro, e não correspondendo anseios e “necessidades” de uma “comunidade global”, é justamente uma alternativa a esse modelo de desenvolvimento e convoca outro paradigma, que organiza a cultura alimentar para uma produção mais capilarizada e sustentável, sem a necessidade de grandes monopólios de gerenciamento da morte, com incentivo a pequenos produtores, para a agricultura familiar para cidades que sejam projetadas ecologicamente, favorecendo a agricultura urbana, mantendo de bancos de sementes acessíveis, hortas coletivas e programas eficientes de educação para agricultura e para o meio ambiente, nessa lógica a comida perde o caráter de mercadoria, de modo a finalmente se tornar um direito, acessado através da florestas e suas formas de gerar e compartilhar riquezas em cada estação do ano. Nessa paisagem futurista solarpunk, culturas sazonais seriam as mais viáveis, em contraposição a regra comum da monotonia alimentar e outros alimentos que não prosperam tanto em determinados territórios, ou épocas, com muitos custos e atravessadores, poderiam ser consumidos em conserva ou processados, reduzidos ou mesmo substituídos, isso tudo vai na contramão do mercado e da economia mundial que cada vez mais impõe a cultura alimentar do império, os produtos com uma única forma, modelados, sem valor nutricional, os vegetais sem semente inventadas por cartéis que centralizam o poder e a riqueza. Com isso tudo quero dizer que o ato de plantar vai na raiz do problema. Por isso o mundo, quase todo, já foi um jardim.
Não quero dizer que plantar resolve todos os problemas, ou talvez eu queira dizer isso sim, mas o fato é que estudos comprovam, pessoas com contato frequente com a natureza vivem mais e melhor, mas não é preciso ser um cientista para entender o quanto o ato de planar gera empatia, ajuda a nos reconhecer como guardiões da vida, a nos conectar com outras espécies mais que humanas, com algo maior que nós mesmos, uma atitude que nos religa a tradição humana imemorial, com quem fomos e quem seremos.



Com a experiência na SAF do Futuro tenho visto com cada vez mais como uma agrofloresta também pode ser uma ferramenta para autonomia, soberania e segurança alimentar, como pode proporcionar o sentimento de pertencimento e o engajamento comunitário, servir como plataforma de intercâmbio de recursos e movimentar uma cadeia produtiva, interconectada com o meio, irrigada em si mesma, conectadas, uma verdadeira revolução.
Gosto de ver um sistema agroflorestal como um Ser único e cheio de elementos, como uma escola viva, que além de educação ambiental, sensibiliza e acolhe a dúvida, que desafia o entendimento e que provoca a imaginação em qualquer fase da vida e em todas as escalas, com diferentes gestos, nuances e sensações provocadas desde com o uivo do vento entre luz entrecortada, por cheiros e declives até a o peso da gravidade, por mais que a mata pareça tranquila, tudo está em alerta, a vida ainda é selvagem e cada experiência é um aprendizado, de corpo todo, presente.
Existem diferentes fases de uma agrofloresta, e elas podem ser entendidas através da sucessão de suas espécies e dos extratos de suas árvores. O objetivo de toda vida é crescer e se desenvolver e chamamos as florestas mais de devolvidas de Primárias, elas apresentam árvores mais antigas, mais altas e grossas, podem ser identificadas muitas camadas, geralmente são mais densas, ou seja, com muitas espécies em sintropia, elas são ricas em biodiversidade de fauna, possuem fungos específicos, essas florestas já alcançaram seu clímax e se mantém estáveis em seu próprio ciclo ecológico. As florestas também podem estar no estágio de subclímax, que é quando está em estágio avançado de sucessão, nesta a fase a floresta Têm boa diversidade de espécies, estrutura vertical em formação e aumento na estabilidade ecológica. Antes de atingir esse ponto ela passa pelo estágio Intermediário, ou médio, que é quando começam a serem vistas árvores de médio porte, quando começa a ser notada a estratificação (alturas diferentes) e se inicia a competição por luz, nesse estágio também pode ser notado um solo com maior acúmulo de matéria orgânica. E tudo começa no estágio pioneiro, com mudas, gramíneas, o solo com poucos minerais, nutrientes e microorganismos.



Outro ponto muito importante, às vezes pouco comentado sobre os benefícios que uma agroflorestal proporciona, é sua alimentação do lençol freático. Num mundo onde a água é cada vez mercadoria, onde a poluição dos rios, mares, e chuvas chegam a níveis alarmantes, cuidar dos veios e nascentes é uma função ambiental da maior relevância, o solo de uma floresta é ambiente perfeito para infiltração das águas no solo, as raízes em torno das nascentes ajudam a aglutinar o solo que por sua vez a conduz e enriquece mineralizando.
Uma agrofloresta nos dá a oportunidade de olhar para o plantio e observar toda a ecologia, por exemplo, os dispersores e polinizadores são especialmente importantes em todo processo de cultivo, seus predadores, os fungos que se proliferam e cada inseto tem uma colaboração. O vento pode influenciar onde determinadas espécies prosperam, assim como as bordas (cercas vivas ou limites naturais) em regiões de fronteira também são elementos de centralidade para observação em uma SAF, os declives, os “vizinhos”, ou seja, as áreas ao redor, os animais que podem interferir… Só nessa investigação minuciosa da ecologia, da paisagem e das trocas no meio podemos entender o ciclo delicado e a força desse sistema de produção e de manutenção da vida.
Para saber mais sobre esse tema fascinante e que envolve tantos campos do saber e áreas de atuação, acompanhe nossa aventura SAF do Futuro, conheça o trabalho desenvolvido pela AgroforestDAO, e as redes sociais.
Separamos abaixo alguns materiais sobre o assunto e você pode baixar gratuitamente:
Princípios de Agricultura Sintrópica – Ernst Gotsch
Agroecologia e manejo do Solo – Ana Primavesi
Ideias para adiar o fim do mundo – Ailton Krenak
Considere obter também nosso e-book Manual de Agricultura Biossinérgica: Canoas Elevadas

Cada canoa plantada é uma célula viva de resistência.
Cada poda é um gesto político de recomeço.
Cada camada de húmus é um manifesto silencioso pela abundância.
Se você sente que chegou a hora de cultivar outro jeito de viver, esse manual é seu companheiro de travessia.